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Solidão, esse escafandro de aço que visto. Esse
profundo mar de pequenas coisas insignificantes. Pequeno quarto de descomunais
significados. Conheço de cor o costume dos pescadores noturnos, as pragas dos
mochos, o ensaio do choro afinado das carpideiras, a maldição da licantropia.
Eu também sou meio bicho, meio lobo. Eu também enlouqueço nas noites de lua.
Todos os homens têm uma grande história para contar. Uma biografia rica de detalhes.
As tristezas e angústias dos outros dariam um grande filme... Toda a minha vida
cabe num simples haicai japonês, um artesão das palavras talvez conseguisse
construir um soneto com os fragmentos pobres dos acontecimentos da minha vida.
Mas tenho certeza que de um soneto não passaria. Sou apenas um solitário que
conhece as constelações, o mapa das marés e os horários dos trens. Ser
solitário significa conhecer bem as montanhas, os rios, a poesia. A leitura é o
ópio de um homem solitário. A solidão nos brinda com certos poderes que beiram
o sobrenatural. A metafisica é um portal para o conhecimento interior. Apenas
um baixo muro separa o conhecimento interior de um quarto branco de um
manicômio. A solidão é assaz proveitosa para quem tem uma alma desbravadora das
coisas incorpóreas. O mundo como vemos da janela soa pobre para quem procura
pistas obscuras em dimensões que parecem estranhas aos homens comuns.
Solidão, essa cabana furada, essa busca pelo tudo,
essa luta por nada, essa confusão de algoritmos, esses signos sem significados
aparentes. Esses tantos caminhos. Conheço de perto as estações. A boca
vulcânica do verão, o desalinho do outono, a insensatez do inverno, a
promiscuidade da primavera... As lutas das virgens, os conflitos das mulheres,
o sentimento dos homens. O ser humano tem ojeriza da solidão. A solidão tem
cara de morte, amiúde. A solidão é um bicho, uma doença maligna, um nevoeiro
infernal, assim pensam. Não conhecem a
solidão, de fato. Essa entidade silenciosa, musical, aberta as cores, aos
mundos, as resoluções. A solidão é a mãe das artes, das atitudes, dos fenômenos
mágicos que transformam as almas. A solidão é a única embarcação capaz de tirar
o homem da ilha do si mesmo. É a solidão que me faz enxergar minha pouca
história, meu pouco de mim. Sem ela, eu talvez acreditasse que eu caberia num
imenso livro cheio de bobagens, mas a solidão me ensinou que nada sou, e caibo
em qualquer haicai de guerra ou de paz, aí depende da visão do autor.
-
Radyr Gonçalves
Copyright 2017
Todos os direitos reservados
Comentários
mais eu me surpreendo e me apaixono
pelas suas produções. Penso que você
se supera a cada dia mais.
Aplausos!
tum tum tum