COMISERAÇÃO NOTURNA - RADYR GONÇALVES

Autoleitura - Radyr Gonçalves


A difícil leitura que faço de mim
Além do quarto escuro dos meus olhos castanhos
Além das cordas puídas do balanço pueril das meninas dos meus olhos
Além das minhas febres – loucuras silenciosas – contemplações inacessíveis

Moro dentro de um reformatório mental
Sempre varro o quintal das minhas imagens
Mas sempre algumas folhagens, secas, mortas
Sujam os alpendres, as portas
E eu fico a divagar

Eu sei de mim e sou um sujeito incrédulo
Todos os dias dispenso balaios e mais balaios de defeitos
Frutas podres de árvores magras que plantei
Flores descoloridas – pavões acinzentados
Uma roda-gigante fantasma que range assombrada
Ao simples convite de entretenimento...

Tenho um quarto com amontoadas queixas
Reclamações irrisórias – ingratidões mofadas
Uma balança injusta – manchas de amores passados nas paredes
Marcas de batom da Vânia – agulhas da Adriana
Lâminas cegas – livros relidos – cartas que nunca foram abertas
Cobranças
Descrenças

Sou um sujeito muito difícil, metódico, matematicamente desorganizado
Mas sou dócil como um cão – violento como uma folha seca que cai
E vai orquestrando o outono

Um sujeito amante das primaveras...
Mas de complicada leitura

Sou um hieróglifo ambulante – uma arte rupestre na caverna de mim.
Sou o meio e o fim... Eu nunca tive um começo.

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Radyr Gonçalves
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