COMISERAÇÃO NOTURNA - RADYR GONÇALVES

Tímida


Comprou um lindo vestido preto e uma tiara de princesa. Bordou os olhos com um lápis preto e banhou os lábios num batom vermelho. Fez mil pantomimas na frente do espelho. Ensaiou palavra por palavra. Leu tudo quanto é notícia para ter como puxar assunto. Se empanturrou de livros de etiquetas, se pudesse teria dormido na porta da Glória Kalil para pedir umas dicas. Cariciou o ego se auto afirmando linda, linda. Estava linda, de fato. Decidiu de uma hora para outra declarar-se para Amaro. Três horas. Encontro marcado. E lá estava o rapaz, tão desantenado da situação que pasmou quando viu Graziela vestida para fechar quarteirões. Ela sorriu um sorriso desses de comercial de creme dental. Se aproximou decidida, face na face, olhar no olhar. Poderosa. Mas na hora h.
- E aí, menina, o que você tinha de tão importante para me falar?
Deu branco, nevoou, embaçou tudo.
- Essa Pepsi, né? Essa Pepsi com limão que inventaram agora é muito ruim! – toda desfocada.
- É, é ruim.
- Então vamos, né?
- É. Vamos.

E foram. Pra lugar nenhum.


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Radyr Gonçalves
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